Karlith
(por Filipe Dias)
“Por favor, não posso ficar com essa
criança. Ele não permitiria”. Falou a mulher envolta em túnicas.
“Estou de partida para Tredroy, não posso
levar um recém-nascido numa viagem tão longa. Ela não sobreviveria”.
“Ele a matará quando retornar. Peça o que
quiser, e eu lhe darei. Quando meu marido retornar, ele matará minha querida
Karlith. Tome, essas moedas de ouro seriam suficientes para que a deixe num
convento das Alicitas?” Desesperada, a mulher estendia a bolsa de moedas ao
jovem Aymer. Suas lágrimas escorriam pelo rosto e uma delas gotejou na face da
criança.
Aymer relutava em atender ao pedido da
jovem. Partiria com uma caravana para al-Wazif levando um carregamento
clandestino de fumo e cerveja. Além dos guardas alfandegários que teria que
subornar, enfrentaria uma viagem dura pelo deserto até Tredroy. Somente Alá
poderia saber o que lhe estava reservado. Entretanto, uma reserva a mais de
moedas de ouro seria de grande ajuda. Olhando através da janela, via a neve
branca cair. Seus pensamentos se perderam na viagem e somente foi acordado de
seu devaneio quando a criança chorou, indicando que estava com fome. “Se eu
leva-la, não sobreviverá a viagem” - pensou ele.
A mulher, constrangida pela presença de um
homem, colocou seu seio para fora e o ofereceu à criança que sugou avidamente.
Ele percebeu que ela não tinha muito tato em alimentar uma criança. Ou esse era
seu primeiro filho ou era tão rica que pagava uma ama de leite para essas
ocasiões. Aymer pegou a bolsa de moedas e contou-as. Dez moedas de ouro. Era
muito dinheiro, o que indicava que a mulher era rica. Com esse dinheiro poderia
comprar uma escrava que estivesse amamentando para cuidar da criança e ainda
sobraria muita coisa. Ou então poderia deixa-la num convento entregue a sorte
da igreja. Resolveu então aceitar as moedas.
“Levarei a criança, mas nunca saberá onde
ela está”.
“Que assim seja, mas prometa que me mandará
notícias que ela está bem”.
Aymer pegou a criança e a colocou numa cesta
forrada por lã de merinos. Com uma manta de mesmo feitio, agasalhou mais a
criança. Deu as costas à mulher e deixou o quarto da taverna. Na porta um
jovem chamado Thomas esperava por sua
senhora. O al-wazifense não perdeu tempo o encarando. Desceu as escadas,
atravessou a taverna lotada e alcançou a rua. Antes de desaparecer na escuridão
da noite, escutou o grito da mãe que fora obrigada a abdicar do convívio de sua
filha.
Sem olhar para traz, Aymer se perdeu nas
trevas da madrugada.
Muito interessante, meus parabéns!
ResponderExcluirValeu Odin!
Excluir