O Príncipe dos Ladrões


Mais que um simples ladrão

por Filipe L. Dias

"Ladrão”, por muitas vezes esta palavra cortou os ares e açoitou seu ouvido. Não que seja mentira, mas a verdade não precisa ser dita cruelmente. Filho bastardo de Cerdik, baronete da vila pesqueira de Cedrik, Andrew teve uma vida de privações.

Sua mãe, Anna, serviu por muito tempo ao baronete, até que engravidou e fora afastada do castelo. Isolada numa choupana, às margens da grande Baia da Fechadura, teve seu único filho num inverno escuro e gelado. Na noite em que as contrações iniciaram, pensará que morreria tamanha a dor que a assolava. Suava frio e não havia alma viva na região para socorrê-la. Dizia na vila que por ordem de Cerdik, ninguém poderia ajudar no parto e que o baronete queria a morte da criança e da mãe.

A neve caia ferozmente e o vento produzia um uivo fantasmagórico. Lá, na enseada, as ondas rugiam como um dragão que estivesse liberando mais uma baforada mortal. Anna orou a Deus para que não deixasse que seu filho, seu amado filho morresse caso conseguisse dar à luz. Mais uma contração a fez tremer de dor e um relâmpago cortou os ares e iluminou a figura de um homem ensopado à porta.

Tal homem aparentava 70 anos ou mais. Sua barba branca confundia com seus cabelos também brancos e possuía um ar tranqüilizador. Vestia um manto verde adornado com runas élficas cor de prata e apoiava-se num cajado com uma esmeralda, brilhando magicamente, incrustada na ponta. Ao adentrar na choupana uma leve brisa trazendo o cheiro da floreta o acompanhou. Lá fora, não se ouvia mais o delírio da tempestade.

Ele se aproximou e colocou suas mãos suaves e dotadas de um anel de esmeralda na fronte da mulher. Neste momento as contrações pararam e ele disse numa voz veludada:

-Você terá um menino, ele crescerá forte e, talvez, será senhor dessa vila. Antes, porém terá um papel importante a realizar. Ele irá sofrer a perseguição do pai, enfrentar criaturas bestiais e dragões ancestrais. Será chamado de príncipe dos ladrões, até que chegue o dia em que será aclamado por todo esse povo. Agora feche os olhos e receba seu filho.

Anna fechou os olhos e sentiu uma calma a acalentando. Neste momento, um novo trovão fez-se ouvir e um chora de criança tirou-a de seu transe. Iluminada pela luz da lareira, um bebê descansava em seu colo no quarto e na noite vazia, onde o único resquício da presença do velho da floresta era um broche de ouro em forma de folha de carvalho.

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