Perdendo a Sanidade
por Filipe Lutalo
Arkham, 16 de dezembro de 1922.
Eu
sempre me considerei uma pessoa razoável. Há muito deixara para
trás as superstições de meus avós que conseguiram fugir da
escravidão do sul dos Estados Unidos. Concluí meu doutorado na
Miskatonic University e fui condecorado com a estrela de ouro, isto
mesmo, meu caro James, fui o primeiro aluno negro a ser reconhecido
como uma mente brilhante em toda Boston. Não obstante, a sociedade
de Boston me olhava com desconfiança devido a minha descendência
africana.
Mal
sabiam eles que eu me tornara um cético convicto mediante aos meus
estudos. James, especializei, como contara a ti em outra carta, em
antropologia, psicologia e ocultismo. Não que eu considere essa
última disciplina como algo relevante, mas me incomodava o quanto
falsários utilizavam da religião ou da fé das pessoas para
roubar-lhes tudo. Tudo, meu amigo James, o dinheiro, a dignidade, a
vida e até a alma.
Foi
assim que eu desmascarei um tal Sommerfeld há alguns anos antes. Não
me alongarei neste caso, pois esse não é o motivo desta carta. O
tal Sommerfeld prometia curas paranormais e ao desmascará-lo, tive
minha casa depredada e minha vida ameaçada. Posteriormente, a
polícia, mesmo que relutante, descobriu que o bandido tinha ligações
com grupos eugenistas. Não, não, esse assunto já foi esgotado
pelos jornais. Não merece tinta e papel. O que me afliges é outro.
É a lembrança daquela maldita casa.
Não
rias de mim por eu usar essa palavra, pois a história é um tanto
estranha, diria que macabra e triste. Não rias James, não deixei de
ser cético e isso me faz escrever a você e procurar por ajuda para
entender o que me levou a um estado mental deplorável. Não se
assuste, estou bem, por enquanto.
Na
noite de 13 de outubro de 1922, fui convidado para um jantar à casa
de J.J. Oliver. O homem era um gordo bonachão que tinha como único
defeito a cobiça por dinheiro. Estávamos em seis em sua biblioteca
e escutávamos a leitura de uma poesia proferida pela mulher desse
distinto senhor. Algo escrito por um tal Edgar Alan Poe. Confesso que
pouco sei desse autor de coisas obscuras e que em nada a leitura do
texto me impressionou. Todavia, o texto foi um chamariz para que se
tocasse nas estranhas ocorrências da casa da Read Street.
O
Sr. Oliver contou-nos que adquiriu a casa por uma pechincha. Há
muito ela estava fechada e investir na compra daquele sobrado
leiloado pela prefeitura parecia um negócio das arábias. Tão logo
pegou as chaves da casa, ele alugou-a para uma família chamada
Macário.
Nosso
anfitrião nos contou que passados alguns meses, o senhor Macário se
suicidou. Sua esposa foi internada em um sanatório e suas duas
crianças foram adotadas por uma
tia. O motivo dessa tragédia era que essa família via durante a
escuridão da noite olhos vermelhos. Sim, James, apenas olhos. Sendo
assim, a casa passou a ser conhecida como mal assombrada.
De
pronto eu não acreditei em tal baboseira. Uma casa mal assombrada. É
de rir meu amigo. É de rir. Como em pleno século 20 pessoas ainda
acreditam nessas superstições. Certamente, havia algo de estranho
em tal casa, mas não era assombração.
Me
dispus a olhar o imóvel pela curiosidade e desejo de desnudar o
mistério. Fui até a casa e nada de encontrei de anormal. Confesso
que tive uma sensação muito estranha ao adentrar os jardins com
plantas crescidas de acordo com o abandono. Os pelos de meu corpo
eriçaram quando eu entrei no quarto do casal. Sentia que algo me
observava.
Sai
da residência, não por medo, mas por que ali não tinha nenhuma
pista da tragédia que acometeu a família Macário. Pesquisei nos
jornais locais para entender o que se passara ali. Para aguçar a
minha curiosidade encontrei uma série de recortes do Boston Globe
que dizia que outros fatos ligados aos “olhos vermelhos” na noite
assolou uma outra família. A casa possuía uma longa história.
Aprofundei-me
mais nos registros da casa e descobri que seu segundo dono foi um tal
de Corb. Um tipo esquisito, considerado bruxo pela vizinhança. Falo
esquisito, não pelas falácias supersticiosas dos vizinhos, mas pelo
fato de insistir ser enterrado dentro da casa.
Enfim,
nada em minhas investigações me levaram a conclusões e o expus ao
Sr. Oliver quando devolvi a chave: “Meu caro, não há nada na
casa. Apenas histórias supersticiosas”. Oliver feliz, falou que
mandaria alguém limpar tudo naquela tarde e voltaria a colocar a
casa para alugar.
Entretanto,
na manhã seguinte, meu telefone tilintou
com um chamado da Sra. Oliver. Ela me contou apreensiva que seu
marido tinha ido ontem a noite dormir na casa da Read Street e não
havia voltado. Pediu-me que encarecidamente eu a acompanhasse até o
recinto.
Aceitei.
Quando
chegamos lá, a porta da casa estava aberta, convidando a nós para
que entrasse. Escutamos um tiro de revólver no segundo andar. Algo
me dizia que vinha do quarto do casal. Tomei a dianteira e subi as
escadas rapidamente.
A
cena que vi no quarto me assombra todas as noites. Oliver estava com
o revólver nas mãos e olhava para o espelho. Lentamente, ele
engatilhou a arma e o colocou debaixo do queixo. Não deu para fazer
nada. Olhei para a parede onde estava pendurado o espelho. Próximo
dele, a marca da bala disparada por Oliver. Na superfície fria e
reflexiva do espelho estavam os “olhos vermelhos”.
Abraços,
Professor Joseph Lynch
Esse conto foi inspirado na aventura A Assombração, narrada por mim em dezembro de 2019. Quer saber como preparei essa aventura e conhecer as fichas de personagens? Acesse os links: Parte I e Parte II.
Ótima história! Haverão outras partes?
ResponderExcluirJosé, obrigado pelo elogio. Essa história é fruto de uma one shoot. Ficará apenas em um conto. Obviamente, quando jogarmos novas aventuras, novas inspirações e novas histórias serão publicadas.
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