RPG não é um mundo aberto

 

Dicas para motivar os PdJs a se engajarem nas aventuras de RPG

- por Filipe Lutalo

Mestre: “Hoje, vocês podem fazer o que desejarem”.

Jogador 1: “Opa, minha personagem é uma maga. Ele vai entrar para a escola de magia e ficar um ano treinando bola de fogo explosiva (Hahahahaha)”.

Mestre: “Tudo bem!”

Jogador 2: Meu personagem é um guerreiro. Vou para a Guilda de Mercenários, procurar um emprego.

Jogador 3: “Eu sou o bardo, não é? Vou para a taverna entreter o povo e gastar todas as minhas moedas de ouro. Quem sabe arrumo uma esposa.”

Mestre: “OK! Seus personagens evoluíram. Após um ano, vocês escutam falar que caravanas estão sendo atacadas na estrada do norte”.

Jogador 1: Mestre, minha personagem aprendeu a bola de fogo explosiva, mas vou continuar treinando para aprender Muro de Fogo. Sem chance dela ir atrás disso. Vou continuar estudando.

Jogador 2: Opa, está pagando bem! Vou atrás do bardo pedir ajuda. “Companheiro, vamos investigar esses ocorridos. Fiquei sabendo que a guilda dos mercadores está pagando bem por informações”.

Jogador 3 falando para o jogador 2: “Cara, desculpe-me. Eu ainda tenho muitas moedas para gastar na taverna. Mestre, vou pedir a a filha da dona da taverna em casamento.”

Mestre para Jogador 1: Você percebe que a guida de magos está preocupada com os ataques na estrada, pois está impedindo que chegue ingredientes mágicos.

Jogador 1: OK! Abre o mapa do cenário. Tem alguma outra guilda em outra cidade que eu possa aprender? Vou para lá!

Mestre preocupado: Jogador 1. Em outra guilda você precisará pagar pela educação e fazer um teste de admissão.

Jogador 1: Sem problemas. Meu personagem é rico e prefiro evoluir meu personagem com treinamento.

Após dar várias motivações dadas pelo mestre e da insistência do guerreiro para desenferrujar as espadas, os jogadores 1 e 3 respondem: “OK! Se não tem outro jeito de vocês deixarem nossos personagens em paz, vamos lá investigar esses ataques.”


A situação acima ilustra quando os jogadores não se sentem atraídos para a aventura proposta pelo mestre. Não importa qual alternativa, motivações ou recompensas apresentadas, os jogadores não querem participar da aventura por motivos particulares.

Por que os jogadores agem assim? Talvez, as motivações apresentadas sejam ruins. Talvez, ele querem pentelhar o mestre. Talvez, os personagens estão evoluídos e os jogadores se apegaram tanto a suas histórias que não querem arriscar a vê-los mortos. Talvez, eles desejam apenas viver em um mundo aberto, em que farão o que quiserem.

As aventuras e campanhas de RPG são mundos abertos?

Quando começamos a jogar RPG escutamos que nesse jogo, podemos fazer o que desejarmos. A liberdade de escolhas é uma das características dos jogos sandbox ou mundo aberto, porém o jogo precisa ofertar aos PdJs inúmeros caminhos para concluir a narrativa e a possibilidade de ignorar o que foi proposto completamente.

A aventura possui um enredo pré-definido. Nele, os PdJs somam para construir uma narrativa. Na situação criada acima, os jogadores poderiam se unir e acompanharem a maga para outra cidade. Ela continuaria a sua aprendizagem na escola de magia e os demais poderia se inscrever em empregos mundanos. O mestre teria que ser capaz de criar uma história de improviso e descartar o que planejou para tornar o jogo um mundo aberto. No artigo “Narrativas e Sandbox Games: A Jogabilidade em Mundo Aberto” escrito por Silva e Santos¹ em 2012, as novas missões deveriam estar previamente construída, esperando os jogadores, coisa impossível para qualquer mestre.

Então, sendo tão difícil para o mestre de RPG criar um mundo aberto verdadeiramente, ele pode usar de estratégias para convencer e evitar que os jogadores recusem as aventuras propostas.

Mapa do cenário Legião - a era da deseolação
Mapa do cenário Legião: a era da desolação.

Mantenha os PdJs sem dinheiro

A riqueza pode ser um grande problema ou uma grande aliada para lançar os personagens na aventura. Se eles tiverem muitos recursos, não há motivos para se arriscarem num combate. Eles podem contratar mercenários para fazer o trabalho sujo enquanto ficam curtindo a vida.

Se a riqueza do personagem for fruto do espólio de uma aventura é natural que cobradores de impostos do reino exijam a sua parte. Crie itens mágico que possam ser comprados e que agucem o desejo jogadores. Estabeleça um custo de vida que será abatido mensalmente dos jogadores. Afinal, estalagem, comida e cuidados pessoais custam dinheiro.

Se a riqueza vier como uma vantagem, ela precisa ser mantida. Será que os personagens ricos têm a fonte de recursos ameaçados pelos eventos da aventura e agora estão sem crédito no mercado?

O tesouro de Smaug. Muito ouro!

Recompensas alternativas

Nem todas as recompensas são dinheiro ou itens mágicos. A promessa do mestre da guilda de magos de ensinar uma magia ao PdJ, a possibilidade do bardo de demonstrar a sua coragem e convencer a filha da estalajadeira a casar, ou a promoção do guerreiro a sargento, se sobreviver, a aventura, podem ser recompensas que não inflacionam a conta bancária dos personagens e permitem a evolução no mundo do jogo.

Nem tudo é dinheiro na vida. Uma informação para resolver um mistério maior pode ser a grande recompensa.

Aprendiz de feiticeiro

Personagens contratados

Se os personagens principais tiverem tanto dinheiro a ponto de contratar mercenários para fazer o trabalho deles, eles poderiam interpretar esses mercenários. É uma ótima oportunidade para os jogadores testarem personagens novos, diferentes dos que estão jogando.

Simplesmente peça aos jogadores que criem personagens novos para aquela aventura específica. Se a criação demorar muito, os jogadores podem ter mais de um personagem criado ou jogar com um personagem pronto. Eles terão a chance de evoluir esses personagens também.

Mercenários. Arquétipos de Shadowrun.

Histórias individuais como pequenos ganchos

Permita aos jogadores resolverem as pendências individuais de seus personagens em uma ou várias aventuras. Às vezes, o PdJ que se casará precisará viajar para buscar um padrinho de casamento e, isso pode ser o início de uma grande aventura.

A dica é explorar a história dos personagens. Mesmo que elas tenham um parágrafo. O PdJ que interpreta o bardo (o noivo) poderia descobrir que a estalajadeira desapareceu e a filha dela (a noiva do bardo) pede a ele que vá investigar. Ou quem sabe um irmão desaparecido e desconhecido do PdJ até aquele momento chega moribundo até sua casa pedindo ajuda! Use a criatividade.

Rei Arthur e Guinevere


Desconstrua o mundo aberto

Vamos lembrar de Elder Scrolls V: Skyrim. O jogo dá muita liberdade aos jogadores, porém todas os possíveis caminhos foram, previamente, preparado pelos programadores. Isso não é possível no RPG de mesa, apesar de se ter a sensação que podemos fazer o que desejarmos, o mestre teria um trabalho de uma vida para preparar inúmeras aventuras que talvez não serão jogadas.

O mundo do RPG não é aberto, pois ele é limitado pela imaginação dos mestres e dos jogadores. Os personagens dos jogadores são os “heróis” da aventura e da campanha programada pelo mestre. Sem a participação dos jogadores e do mestre, as coisas não acontecem.

Não se trata dos mestres de RPG exigirem que os jogadores passem por um determinado caminho, mas de o RPG constituir a contação de uma história criada coletivamente. Se o os jogadores desejarem viver apenas histórias individuais, eles deveriam escrever um livro e não jogar RPG. O mesmo vale para os mestres.

O que os jogadores devem ter em mente é que naquele mundo do jogo a diversão também depende deles. O escritor Robin D. Laws² diz que 30 % da diversão numa aventura de RPG depende dos mestres. Os outros 70 % dependem da interação dos jogadores. Depende deles s e envolverem na aventura, interpretarem seus personagens e construírem a história com o mestre de forma cooperativa.

Uma conversa sincera e honesta pode fazer milagres, criar um grupo engajado que contribua para a criação da aventura gerará grande diversão. Nunca esqueça disso!

E você, tem outras ideias para motivar os jogadores a embarcarem nas aventuras? Deixe sua sugestão nos comentários.


Referencias

¹SILVA, Anderson Rodrigues Braz da; Santos, Ronaldo Bispo dos. Narrativas e Sandbox: a jogabilidade em Mundo Aberto. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. João Pessoa, 2014.

²Laws, Robin D. Robin's Laws of Good Game Mastering. Steve Jackson Games, 2002.




7 comentários:

  1. Ótima abordagem Filipe. Mesmo a narrativa sandbox tb precisa às vezes de uma chamada à ação. Como vemos acontecer na Jornada do Herói, quando os protagonistas hesitam em sair do conforto de seus lares mas se deparam com as consequências de uma possível omissão. O que não deixa de ser colocar o sandbox nos trilhos pra ele deslanchar, ao menos num primeiro momento.

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    1. Obrigado pelo comentário.

      Se o mestre precisa intervir, não deixa de ser sandbox?

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    2. Essa é justamente uma das limitações do sandbox. Inevitavelmente, uma hora o mestre vai ter que intervir com um call to action pra engrenar a trama, principalmente quando os jogadores estiverem perdidos ou entediados.

      O que nos leva à segunda limitação do sandbox. Esse tipo de narrativa depende muito de uma certa experiência dos jogadores pra dar certo. E por isso não é indicado para iniciantes.

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    3. Lógico que isso não faz o sandbox nem melhor e nem pior que uma aventura nos trilhos, ou rail road. Cada estilo tem seus prós e contras.

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    4. Se "intervenção do mestre" faz a coisa deixar de ser sandbox, então o gênero não existe no rpg, porque qualquer coisa para acontecer precisa dessa intervenção. Seja o mestre criar consequências por um evento ignorado(como do exemplo) ou dizer as consequências dos jogadores terem ido ver o tal evento.

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    5. Bem interessante seu argumento! Digno de um enxadrista.

      Ricardo, concordo muito com você.

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